Lição 3 – O Primeiro Sinal: Água e Vinho

Prezado(a) professor(a), para ajudá-lo(a) na sua reflexão, e na preparação do seu plano de aula, leia o subsídio da semana. O conteúdo é de autoria do pastor Silas Queiroz, comentarista do trimestre.

INTRODUÇÃO
A transformação da água em vinho nas bodas de Caná é o primeiro ato miraculoso realizado por Jesus; um sinal específico para revelar a sua divindade (2.11). Não há qualquer outro registro canônico da realização de milagres de Jesus antes dessa ocorrência, quando Ele já havia sido ungido pelo Espírito Santo e começara o seu ministério (Jo 1.32-34; Mt 3.13-17). Apesar disso, desde os primeiros séculos da era cristã, surgiram inúmeros escritos com a pretensão de narrar supostas ocorrências ausentes dos quatro evangelhos, inclusive do período da infância de Jesus. Muitos trabalharam ardilosamente no que viram como lacunas das narrativas aceitas pelos Pais da Igreja.
João situa a narrativa do sinal realizado nas bodas de Caná logo após o comissionamento dos primeiros discípulos (1.35-51), indicando isso como marco temporal, ao dizer que a festa de casamento foi realizada “ao terceiro dia” (2.1). Maria, a mãe de Jesus, “estava ali”, o que pode indicar uma proximidade especial com a família dos noivos. Talvez “uma amiga da família, ajudando nos bastidores”, o que é reforçado pelo fato de que foi ela quem tomou conhecimento imediato da falta de vinho, o que sequer foi percebido, ao que se entende, pelos demais participantes da festa. Nem mesmo o chefe dos serventes ficou sabendo do ocorrido, pois imaginou que o novo vinho havia sido guardado propositadamente pelo noivo (2.9,10).
José não é mencionado, o que sugere que, nessa época, já tivesse mor­rido, como é opinião comum entre os estudiosos. Quanto a Jesus e os seus discípulos, o texto informa que “foram também convidados” (2.2). Pelo expresso hiato temporal com o texto antecedente (a chamada dos primeiros discípulos), não se trata, ainda, dos doze, mas apenas dos cinco mencionados no texto de João 1.35-51, dentre os quais provavelmente estava o próprio João, que teria ocultado o seu nome (1.40), sendo, assim considerando, testemunha ocular dos fatos. A convivência entre Jesus e os discípulos certamente já era notada em público, ao ponto de o convite ter sido dirigido a todos, como que de forma conjunta.
O cenário do milagre é a pequena vila de Caná da Galileia, que recebia essa designação específica por existir outra Caná, na Síria, ao nordeste de Israel. Localizada há cerca de 15 quilômetros da vizinha Nazaré, ficava na Baixa Galileia, região que “possuía a mais famosa e mais fértil planície de todo o país, rico e inesgotável vale de Esdrelon que conserva até hoje o título de celeiro de Israel”. Já a Alta Galileia, como o nome sugere, era uma região montanhosa, mais ao norte de Israel.
Não podemos perder de vista a singularidade do Evangelho de João, como foi destacado no primeiro capítulo. Singularidade que se expressa, inclusive, na seleção de sete milagres como sinais da divindade de Cristo. Nesse sentido, é imperativo notar que, não por acaso, o substantivo grego usado por João para referir-se a essas operações miraculosas é bem específico, no sentido de serem realmente sinais, ou seja, indicativos especiais e específicos da deidade de Cristo.
Esse objetivo peculiar de João foi cuidadosamente demonstrado por inter­médio do emprego de um termo grego próprio para a significativa descrição dos atos miraculosos que escolheu narrar.

Jesus e os Discípulos
O mais provável é que, na ocasião das bodas de Caná, Jesus estivesse acompanhado somente dos primeiros cinco discípulos, mencionados por João no capítulo primeiro, dos versículos 35 a 45. O en­tendimento de que o próprio João tenha testemunhado o milagre de Caná dá-se não apenas pela possibilidade de ele ser o anônimo de João 1.40, mas porque da narrativa feita por Mateus podemos extrair que Tiago e João, filhos de Zebedeu, foram chamados por Jesus logo depois de Pedro e André (Mt 4.18-21). No mesmo sentido, o registro feito por Marcos (Mc 1.16-20). É incontestável, desse modo, que, naqueles dias, Jesus já era identificado juntamente com os seus discípulos, tanto que João registra que “foram convidados também [Ele] e seus discípulos”, não sendo provável presumir que o convite tenha sido de forma individual, para cada um deles.
Tudo isso nos mostra que, além do propósito de realizar aquele milagre para todas as gerações, Jesus tinha uma finalidade bem presente, que era manifestar a sua glória para os seus primeiros seguidores, tanto que o próprio João afirma que aquela ocorrência serviu para que os discípulos de Jesus cressem nEle (2.11). O fato de Cristo estar principiando ali os seus sinais tinha justamente a intenção de revelar a sua natureza divina aos homens que iriam segui-lo durante todo o seu ministério, embora não tenham alcançado esse entendimento de forma perfeita naquele momento. De qualquer sorte, o sinal serviu para que vissem não apenas um mestre dos judeus, mas alguém com extraordinário poder, muito diferente da classe religiosa do seu tempo. A fé estava sendo gerada neles.

Não Tem Vinho”
A falta do vinho foi o fator que desencadeou a busca por Jesus. A sua mãe, Maria, logo o procurou não apenas para dar-lhe a informação, mas também para que dEle viesse a solução do problema. Como sabemos que o plano de Deus sempre se desenvolve com perfeição, o que vemos ali é uma mulher impulsionada a deflagrar um processo que viria mostrar-se, em todos os tempos, como uma oportunidade ímpar de Jesus revelar-se como o Deus Todo-Poderoso, capaz de transformar água em vinho.
A declaração feita por Jesus a Maria faz-nos entender, com clareza, que o relacionamento entre eles não era apenas natural — entre mãe e filho —, mas, acima de tudo, espiritual. Estava ali uma serva de Deus, totalmente consciente da missão que recebera, desde quando disse: “Eis aqui a serva do Senhor; cumpra-se em mim segundo a tua palavra” (Lc 1.38). A sua cons­ciência espiritual é revelada no cântico que Lucas registra: “A minha alma engrandece ao Senhor, e o meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador, porque atentou na humildade de sua serva; pois eis que, desde agora, todas as gerações me chamarão bem-aventurada” (Lc 1.46-48).
Não era pequena, seguramente, a expectativa de Maria para o início e a consecução do ministério de Cristo, tanto que, desde o seu nascimento, tudo o que via e ouvia guardava em seu coração e as conferia, ou seja, exa­minava (Lc 2.19), como quando o menino tinha 12 anos e foi encontrado no Templo, no meio dos doutores, tratando dos negócios do Pai (Lc 2.42-51).
Como homem, Jesus sempre foi sujeito aos pais em tudo (Lc 2.51); entre­tanto, Maria tinha consciência de que ali não estava somente uma criança, adolescente ou jovem comum, mas o Filho de Deus encarnado para uma grande missão prestes a ser executada. É a essa “hora” que Jesus refere-se quando fala a Maria, em uma comunicação claramente de cunho espiritual, de ambas as partes (Jo 2.4), tanto que, logo em seguida, a sua mãe já orienta os serventes da festa que seguissem as ordens de Jesus, porque, sabia ela, o Deus presente tinha uma solução para o problema do vinho.

A Posição de Maria em Relação a Jesus
Não é demais fazer aqui uma breve referência às distorções feitas pela Igreja Romana em relação ao papel de Maria no projeto divino de redenção da humanidade. Querem dar a ela status e poder que nem ela mesma cogitou, admitiu ou reivindicou. Muito pelo contrário! No seu cântico, ela apresenta­-se como, de fato, se sentia e era: uma serva do Senhor, necessitada de um Salvador (Lc 1.38,46,47). Agora, aponta para Jesus e diz aos empregados: “Fazei tudo quanto ele vos disser” (Jo 2.5). Esta é a mensagem de todo anunciador do Messias: indicar a Cristo e ressaltar a necessidade de ouvi-lo e obedecê-lo. Observemos que Maria não se apresentou como uma medianeira. Os empregados ouviram diretamente de Jesus o que precisariam fazer (2.7).
Isso, somado ao conjunto da revelação escriturística, nos demonstra que não há quem possa colocar-se como mediador entre os homens e Cristo. Aliás, a mediação necessária é entre Deus, o Pai, e os homens; e Cristo é o único me­diador. Como escreveu Paulo: “Porque há um só Deus e um só mediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo, homem, o qual se deu a si mesmo em preço de redenção por todos, para servir de testemunho a seu tempo” (1 Tm 2.5,6).
Embora teólogos católicos busquem negar o culto a Maria, não é possí­vel fazê-lo diante das práticas comuns do catolicismo, na atualidade e na história.
Um dos pilares da Reforma Protestante foi justamente o Solus Christus, ou seja, somente Cristo, visando dissipar qualquer pretensão de elevar-se quem quer que seja ao posto de medianeiro entre Deus e os homens, poder dado exclusivamente àquEle que desceu do Céu, aqui encarnou e para lá voltou, glorificado (Lc 24.51; At 1.9-11).

O Bom Vinho: uma Mensagem a Israel
Esse milagre também nos faz lembrar de que Deus estava iniciando a pro­dução de um novo vinho. Havia esgotado todas as possibilidades com a sua vinha, Israel (Is 5.1-7; Jr 2.21) e agora gerava, pela água da Palavra, um vinho novo. A sua igreja surgiria como fruto desse milagre de transformação. E ali estava Maria, a primeira a ter dado obediência ao propósito Eterno quanto ao Salvador e a sua igreja, quando disse: “[…] cumpra-se em mim segundo a tua palavra” (Lc 1.38). Agora podia dizer: “Fazei tudo quanto ele vos disser” (Jo 2.5).
Depois de todas as rebeldias de Israel ao longo do Antigo Testamento, incluindo sucessivos movimentos de apostasia e idolatria, agora o trato de Deus com a sua vinha não seria mais cercar, cuidar, adubar… Tudo isso já havia sido feito à espera de uvas boas, mas vieram uvas bravas (Is 5.4). Agora a vinha seria destruída: “Tirarei a sua sebe, para que sirva de pasto; derribarei a sua parede, para que seja pisada; e a tornarei em deserto; não será podada, nem cavada; mas crescerão nela sarças e espinheiros; e às nuvens darei ordem que não derramem chuva sobre ela” (Is 5.5,6).
Jerusalém foi conquistada diversas vezes. No ano 70 d.C., depois de um cerco que causou fome e um grande morticínio, a cidade sofreu um terrível ataque pelos romanos.
Os judeus foram dispersos por todo o mundo. Mesmo com o movimento sionista do século XX, ainda há muita dispersão.

“Enchei-vos do Espírito”
A despeito das muitas discussões que existem sobre o tipo de vinho mencio­nado no Novo Testamento (se fermentado ou não), sabemos que qualquer bebida embriagante produz gravíssimas consequências para os que as consomem. Salomão escreveu: “O vinho é escarnecedor, e a bebida forte, alvoroçadora; e a todo aquele que neles errar nunca será sábio” (Pv 20.1); “Não olhes para o vinho, quando se mostra vermelho, quando resplandece no copo e se escoa suavemente. No seu fim, morderá como a cobra e, como o basilisco, picará” (Pv. 23.31,32). “[…] não é próprio […] dos príncipes desejar bebida forte [que é para os] que perecem” (Pv 31.4,6).
Geralmente, os que se dão a muito discutir sobre o tipo de vinho dos tempos bíblicos assim o fazem no afã de sancionar os seus próprios desejos, ou seja, justificar o consumo de bebidas alcoólicas. Não nos esqueçamos, contudo, de que as Escrituras advertem-nos dos males que o vinho causa e desaconselham o seu uso. Não são poucos os exemplos dos que se dão a experimentar bebidas alcoólicas (principalmente o vinho), argumentando que se trata apenas de um ato social, sobre o qual detém controle e, quando menos percebem, estão envolvidos no vício, perdem o proclamado domínio e tornam-se dependentes do sedutor líquido embriagante. Sigamos, pois, os conselhos de Paulo, dados pelo Espírito: “Abstende-vos de toda aparência do mal” (1 Ts 5.22), “E não vos embriagueis com vinho, em que há contenda, mas enchei-vos do Espírito” (Ef 5.18).

Quando o Vinho Acaba
O milagre das bodas de Caná traz para todos nós uma grande lição espiri­tual: o perigo de ter Jesus na festa e, ainda assim, não desfrutar dEle como fonte de alegria. Isso pode acontecer em meio à prática religiosa, quando nos acostumamos com liturgias frias, práticas rotineiras, que não expres­sam mais um profundo sentido de comunhão com Cristo. Pior do que isso, corremos o risco de entreter-nos com “vinhos” desse mundo, fontes de alegrias mundanas, aprazíveis aos nossos próprios desejos. Em situações assim, Jesus está no recinto, mas a alegria que nutrimos não vem dEle.
Por mais que pareça dramático, por vezes a única saída é esse “vinho” mundano acabar. Precisamos descobrir a verdade sobre nossas motivações, em uma sondagem ao íntimo do nosso ser, somente alcançada em mo­mentos de profunda reflexão, geralmente vividos durante crises de nossa existência. Se continuarmos vivendo embalados por outras fontes de alegria, jamais conseguiremos apelar para Jesus e esperar dEle e somente dEle um milagre de transformação. Um estado de engano assim comprometeria nossa eternidade.
Precisamos reconhecer que tudo aquilo que as alegrias, que os prazeres e as oportunidades dessa vida podem proporcionar-nos, sejam lícitos ou não, jamais nos satisfazem e são passageiras. Quando entendemos essa realidade e essa consciência chega, o que devemos fazer? Voltar-nos para Jesus com profunda contrição, ouvi-lo e fazer a sua vontade, e não apenas parcialmente (“Fazei tudo quanto ele vos disser”, Jo 2.5). Se o obedecermos, Ele certamente nos encherá da água, da Palavra e do Espírito, que produz em nós profunda alegria e paz (Jo 4.14).
Não há problema algum em desfrutar de boas oportunidades e alcançar importantes conquistas nas mais diversas áreas da vida — desde que sejam lícitas, é claro. Aliás, Deus tem prazer em fazer-nos prosperar (Sl 1.1-3). O que precisamos saber, entretanto, é que tudo é passageiro nesta terra e que o bom vinho somente Jesus tem.

Que Deus abençoe a sua aula e os seus alunos!

Para conhecer mais a respeito dos temas das lições, adquira o livro do trimestre: QUEIROZ, Silas. Jesus, o Filho de Deus: Os Sinais e Ensinos de Jesus Cristo no Evangelho de João. Rio de Janeiro: CPAD, 2021.

Bacharel em Teologia, Jornalista, Pedagoga, Pós graduada em Gestão Escolar e Editora responsável das Revistas Jovens e Maternal da CPAD